A Inveja!
Os pecados capitais o jeito de a igreja católica trazer para a
vida real seus ensinamentos. Tentar ela, através de seus conceitos, criar
regras para uma vida medieval, até então, sem muitas regras, o que era
extremamente prejudicial à sobrevivência, tanto de aldeias quanto de reinos. Senão,
vejamos: a gula pode ser entendida como o desperdício de comida; a avareza é o
não compartilhamento daquilo que lhe sobra; a luxúria é a busca do prazer
desmedido; a ira é a briga por causas desnecessárias; a inveja é o interesse
pelo que é do outro; a preguiça é a não participação no esforço da comunidade;
a vaidade é a valorização de seus próprios dons além do certo. Isso dito,
claro, de bem grosso modo. Dentre esses, acho que tenho dívidas impagáveis em
relação a alguns. Da gula, da preguiça e da luxúria, por exemplo, como
brasileiro que sou, tenho várias contas acertar. Da vaidade, da ira e da
avareza, acho que nada carrego comigo. Penso que nesses, passo de liso no
acerto. A inveja merece um estudo separado. Penso que existem dois jeitos de se defini-la,
mesmo nunca tendo lido sobre essa divisão e sabendo que na definição real ela
não exista, acho que ela pode ser construtiva ou destrutiva.
Para começar, vamos
partir de um princípio que tenho como mote: qualquer um pode e deve querer
melhorar, aprimorar, ter mais posses e uma vida mais confortável e segura.
Fazer isso, mesmo que mirando nos exemplos de outros é completamente saudável e
natural. Entretanto, a felicidade não pode nunca estar no futuro, dependendo de
algo mais a ser conquistado. É preciso que cada um seja, a princípio, feliz com
o que tem. Conquistar algo é bom, de fato, mas não pode ser essencial para que
alguém se sinta feliz. A felicidade, quando dependente de conquistas futuras,
nunca chegará, sempre faltará algo.
A igreja define a inveja só pelo jeito
destrutivo de ver. É o querer desmedido pelo que é do outro, pelas suas
conquistas, pelo seu status, o invejoso é um idiota que se preocupa mais em
derrubar o outro que em crescer. Se, na idade média, era essencial que fosse
considerado um pecado e tanto, porque destruiria muito do que as comunidades
construíam, hoje é algo quase que propagandeado nos meios de comunicação,
embora seja tão pernicioso ou mais que antanho. Você só será feliz se tiver
algo que outro tem. Isso faz com que os
limites sejam, digamos, alargados. Quero tanto o que o outro tem que, para
tê-lo, posso tranquilamente passar por cima dele. Não podendo, entretanto
tê-lo, prefiro destruir tudo que ver outro com a posse. Normalmente as pessoas que
invejam, destroem quem está perto delas. Na intenção de competir pela posse,
são sempre sorrateiros, amigos (falsos é claro). Se meu irmão ou amigo tem
empresa, carro do ano, relógio de marca e eu não consigo, prefiro vê-lo perder
tudo, e farei o que for possível, para que ele perca. Se for feliz, se tiver
família, paz, isso dói em quem nutre o sentimento de inveja. O simples fato de
entrar numa disputa com tal sentimento faz com que já se entre perdendo.
O outro modo que
proponho, é o do exemplo: invejo tal amigo, gostaria muito de “também”
conseguir o que ele conseguiu. O “também” está entre aspas porque faz total
diferença. Tenho o outro como exemplo, como norte a ser buscado. É fácil
imaginar que quem busca se comparar a alguém, não busca destruí-lo, pois o
admira. É também fácil supor que a felicidade não está inclusa nessa conquista,
ela já existe.
Tudo isso posto, penso
que não tenho acertos com relação à inveja para complicar minha prestação de
contas no dia do juízo final. Não que eu não tenha invejado amigos, ou famosos
ou outras pessoas anônimas. Tive e tenho inveja. Invejo quem é fluente em
vários idiomas, invejo quem é versado em muitas culturas. Invejo que já viu o
por do sol ao lado da Esfinge no Cairo. Invejo que já passeou pelo museu do
Louvre em Paris, quem esteve na Biblioteca do Congresso Americano, quem já
passou pelo encontro das águas em Manaus, quem conhece as muralhas da China,
quem já passou pelo Big Ben em Londres ou pelo Museu Hermitage, em São
Petersburgo. Invejo que já fez uma viagem pelo Saara, quem entendeu seus
mistérios, a cultura de seu povo. Invejo quem já viu a Terra do espaço, que já
foi à Lua, mesmo sabendo que para esses dois, por faltar-me coragem, para
tentar que seja, invejo-os mais ainda. Invejo quem tem um currículo, tipo,
doutor nisso, doutor naquilo, professor da universidade tal, pesquisador de tal
coisa. Invejo quem escreveu os melhores livros, os melhores artigos, quem
pintou os grandes quadros, compôs as grandes músicas que eu gosto. Invejo quem
conseguiu na vida ser respeitado e eternizado pela sua obra, quem passou
incólume pelo sistema corrupto que temos. Invejo quem consegue salvar vidas,
construir coisas. Invejo quem foi ou é importante para a humanidade, por seus
estudos, suas idéias. Invejo os bombeiros, que salvam vidas e, por isso, são
ovacionados após cada conquista.
Não invejo
definitivamente, quem tem uma Ferrari, não que eu não gostasse de ter uma,
claro que gostaria. Apenas, o fato de não ter uma Ferrari, não me faz a menor
falta. Não invejo quem viaja à Paris ou Miami ou Nova Iorque apenas para fazer
compras nos shoppings e nas lojas de grife. Acho uma futilidade absurda, nada
há que se compre em Nova Iorque ou Miame, que não se encontre no Rio ou em BH
ou São Paulo. Minha felicidade não depende disso.
Quis mostrar com esse
texto, que a inveja pode estar entre os sete pecados capitais como também ser
vista fora deles, como algo que fez, e faz muita gente lutar e conseguir
melhorias, sem prejudicar outras pessoas. Alguns podem dizer que essa inveja
construtiva é simples admiração. Não é. Ou pode ser. Quem sabe ao certo? Cada
um pode e deve pensar a respeito. Para despertar esse pensamento é que escrevo.
Um abraço, Paulo César Pacheco!